Publicado originalmente em 28 de Junho de 2019
Hoje completam-se dez anos do golpe de estado apoiado pelos EUA que derrubou o presidente eleito de Honduras, Manuel Zelaya, que foi arrastado para fora do palácio presidencial de pijama por tropas armadas, colocado em um avião e levado para fora do país.
Esse golpe inaugurou uma década de interminável repressão por uma sucessão de governos de extrema direita e profundamente corruptos em Honduras. Eles têm governado o país com uma determinação implacável de defender os interesses da oligarquia nacional – as chamadas “dez famílias” de multimilionários e bilionários – e do capital financeiro estrangeiro.
Para as massas de trabalhadores e camponeses pobres de Honduras, as políticas implementadas pelos regimes de direita depois da queda de Zelaya provaram ser desastrosas. Honduras é hoje o país mais desigual da América Latina, a região mais desigual do mundo. Quase 70% da população do país vive na pobreza, enquanto mais de 60% não têm emprego formal. A taxa de homicídios, que chegou ao nível mais alto do mundo, ainda permanece nove vezes maior do que nos Estados Unidos.
Um resultado desse processo foi um êxodo em massa do país. O governo dos EUA informou ter detido 175.000 hondurenhos na fronteira entre os EUA e o México nos últimos oito meses. A maior parcela de migrantes e refugiados que chegou à fronteira dos EUA é de Honduras – 30% do total –, quase o dobro dos 16% registrados há apenas três anos.
Essas massas de trabalhadores e suas famílias que fogem de seu próprio país por causa de condições intoleráveis criadas pelo imperialismo e pela classe dominante nativa enfrentam as mesmas terríveis circunstâncias que levaram o pai salvadorenho e sua filha a se afogarem no Rio Grande. No início desta semana, a publicação da foto deles mortos chocou a população dos EUA e do mundo.
Em abril, um adulto e três crianças de Honduras afogaram-se no mesmo rio quando a balsa onde estavam virou. Na quinta-feira, autoridades mexicanas informaram que uma jovem hondurenha que viajava para o norte com sua família caiu de um trem e foi esmagada por suas rodas.
Agora, esses refugiados enfrentam a repressão, a detenção e o abuso combinados dos governos dos Estados Unidos, México e Guatemala, que se uniram no uso da força bruta na tentativa de impedi-los de escapar da pobreza, do terrorismo do estado e da violência desenfreada.
Os pré-candidatos presidenciais e líderes no Congresso do Partido Democrata derramaram lágrimas de crocodilo sobre as mortes no Rio Grande e se colocaram como defensores dos imigrantes. Esses sentimentos são desmentidos, no entanto, pelo fato de que o presidente democrata Barack Obama, o “deportador-chefe”, e sua então secretária de Estado, Hillary Clinton, dirigiram o golpe que devastou Honduras, levando seu povo em desespero a fugir do país mesmo com as ameaças de morte, a perseguição e a possibilidade de ser jogado em um campo de concentração dos EUA.
Após a derrubada, o sequestro e a expulsão de Zelaya do país, o governo Obama procurou preservar um verniz de compromisso com a “democracia” na América Latina – ao mesmo tempo que negava a participação de seus agentes militares, de inteligência e diplomáticos no golpe – publicamente lamentando a queda de Zelaya.
Clinton, no entanto, se recusou a descrever a captura e a deportação de um presidente eleito por militares como um “golpe”, uma designação que, sob a Lei de Assistência ao Exterior dos EUA, exigiria que o governo Obama cortasse a ajuda e os laços com o regime golpista.
A administração também não exigiu que Zelaya voltasse ao poder. Uma vez que os EUA respondiam por 70% das receitas de exportação hondurenhas e forneciam as armas e a ajuda de que dependiam as forças militares do país, ele tinha poder inquestionável para forçar uma reversão do golpe.
Apesar de suas reservas formais, logo foi revelado que as principais autoridades dos EUA estavam negociando com os comandantes militares e políticos de direita que organizaram o golpe pouco antes da derrubada de Zelaya.
Um conservador e rico político burguês do Partido Liberal de Honduras, que regularmente alternava o poder com o igualmente direitista Partido Nacional, cujos regimes sempre foram dominados pelos militares e pelos EUA, Zelaya ganhou a inimizade de Washington ao ser arrebatado pela chamada “Maré Rosa” da América Latina. Essa coleção de governos nacionalistas burgueses pôde, graças ao boom das commodities e à ascensão da influência econômica da China na região, adotar uma postura populista e de independência em relação ao imperialismo estadunidense.
Zelaya foi claramente atraído pelo petróleo e os empréstimos baratos da Venezuela. No entanto, o imperialismo estadunidense, que havia tentado sete anos antes derrubar o presidente venezuelano Hugo Chávez em um golpe civil-militar, estava determinado a eliminar um governo alinhado com a Venezuela e Cuba em Honduras.
O país centro-americano tem servido como um local para as operações contrarrevolucionárias na região, desde a derrubada pela CIA em 1954 do governo de Jacobo Arbenz, na Guatemala, até a guerra dos “Contras” organizada pela CIA na Nicarágua, na década de 1980. As guerras civis e campanhas de contra-insurgência realizadas pelo imperialismo dos EUA na região, usando Honduras como base, custaram a vida de centenas de milhares de pessoas. O país continua sediando a maior base militar dos EUA na América Latina, em Soto Cano.
Muito do mesmo pessoal dos EUA envolvido no golpe de 2002 contra Chávez na Venezuela sob o comando de George W. Bush estava envolvido no golpe de 2009 contra Zelaya em Honduras sob o comando de Barack Obama. E a mesma política estratégica guia a atual operação de mudança de regime do governo Trump contra o governo de Nicolas Maduro na Venezuela.
Por trás dessa clara continuidade na política externa de Washington, tanto nas administrações democratas quanto republicanas, está o impulso do imperialismo dos EUA para reverter o declínio de sua hegemonia econômica global por meios militares, particularmente na região que há tanto tempo ele considera seu “próprio quintal”.
A classe trabalhadora hondurenha respondeu ao golpe de 2009 com imenso heroísmo. Ela realizou contínuas manifestações e greves sob os dentes da selvagem repressão, que incluiu a detenção arbitrária milhares de pessoas, tiros em manifestantes, o estupro coletivo de mulheres detidas em protestos e a organização de esquadrões da morte para assassinar jornalistas e opositores do regime golpista.
Washington ignorou essa brutalidade selvagem e a mídia corporativa dos Estados Unidos passou a maior parte do tempo em silêncio sobre o que acontecia em Honduras.
Por sua vez, Zelaya depositou sua fé na fachada pseudodemocrática da administração Obama, apelando por sua ajuda e submetendo-se – e subordinando o movimento de massas ao golpe – a uma série de negociações com o objetivo de formar um “governo de unidade nacional” com aqueles que o tinham derrubado.
No final, essas negociações não levaram a lugar nenhum. O regime de direita liderado pelo ex-aliado de Zelaya, Roberto Micheletti, conseguiu arrastar o processo até que eleições fraudulentas pudessem ser realizadas em novembro de 2009, instalando o governo de direita de Porfirio “Pepe” Lobo e permitindo que Washington e o imperialismo mundial fingissem que o golpe nunca aconteceu.
Apesar do heroísmo dos trabalhadores hondurenhos, a liderança dos sindicatos e outras organizações que apoiaram a volta de Zelaya ao poder levou o movimento de massas a um beco sem saída político, deixando a classe trabalhadora despreparada para confrontar a capitulação de Zelaya e a consolidação do poder pelo regime golpista de Lobo.
Honduras está enfrentando hoje sua crise mais grave desde o golpe de dez anos atrás. Por mais de um mês, protestos em massa e greves de professores e médicos contra os cortes impostos pelo FMI e as ameaças de privatização da educação e da saúde abalaram o país. Os estudantes juntaram-se a esses protestos em massa, ocupando as suas escolas e enfrentando a polícia e as tropas de choque.
Hoje veremos manifestações em massa por toda Honduras marcando os dez anos do golpe. Esses protestos homenagearão os 136 mortos durante a repressão aos protestos contra o golpe, assim como os 14 mortos pelos esquadrões da morte e os 13 desaparecidos. Desde então, muitos outros foram mortos, incluindo quatro mortos apenas nos protestos mais recentes.
Eles, sem dúvida, também exigirão a derrubada do governo de Juan Orlando Hernández (JOH), o corrupto presidente que está implementando as medidas de austeridade do Fundo Monetário Internacional, que é mantido no poder pelos militares hondurenhos e fuzileiros navais dos EUA.
É Zelaya, agora líder do Partido Libertad y Refundación, que está exigindo a saída de JOH, mais uma vez de maneira que se chegue a um acordo entre a oligarquia dominante e garanta o apoio de Washington.
Em 2009, o World Socialist Web Site afirmou que a luta da classe trabalhadora hondurenha havia “ajudado a expor duas grandes ficções políticas. A primeira é a pretensão de que o governo Obama inaugurou uma nova era de não-intervenção e respeito mútuo nas relações entre os EUA e a América Latina. A segunda é que os regimes burgueses da região, de caráter nacionalista ou populista – de Chávez na Venezuela ao próprio Zelaya – não oferecem qualquer caminho a seguir para a classe trabalhadora e as massas oprimidas.”
O WSWS continuou alertando que aqueles que se “intitulam ‘socialistas’ e que promovem ilusões nessas figuras estão desarmando a classe trabalhadora e preparando derrotas ainda maiores”.
Com o ressurgimento da luta de classes, essas lições para a classe trabalhadora são cruciais. Os trabalhadores só podem defender seus direitos através de uma ruptura consciente com todas as formas de nacionalismo burguês e pequeno-burguês, que são instrumentos não para levar adiante a luta de classes, mas para suprimi-la.
O que é necessário é o rearmamento político e a unificação internacional da classe trabalhadora de Honduras com trabalhadores de toda a América Central, dos Estados Unidos e de todo o hemisfério em uma luta comum contra a exploração capitalista, a opressão e a guerra. Isso significa construir seções do Comitê Internacional da Quarta Internacional em todos os países do continente Americano.