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Perspectivas

100 anos da fundação do Partido Comunista Chinês

Publicado originalmente em 1˚ de julho de 2021

Este mês completam-se 100 anos do congresso de fundação do Partido Comunista Chinês (PCC), que foi realizado em julho de 1921 em uma escola feminina de Xangai. Inspirado pela Revolução Russa de 1917, foi um evento de significado histórico mundial, marcando uma virada crítica na prolongada luta do povo chinês contra a opressão de classe e o domínio imperialista.

As concepções revolucionárias que guiaram a fundação do PCC 100 anos atrás estão em total contradição com a hipocrisia e as falsificações que caracterizam as comemorações oficiais de seu centenário, que se destinam a impulsionar a reputação pública do partido e a do Presidente Xi Jinping em particular.

Tela com o presidente chinês Xi Jinping discursando em uma cerimônia de comemoração dos 100 anos da fundação do Partido Comunista Chinês, na Praça Tiananmen, em Pequim, em 1º de julho de 2021. (AP Photo/Ng Han Guan) [AP Photo/Ng Han Guan]

A televisão chinesa está sendo inundada por episódios que retratam a história do partido. Seminários estão sendo realizados em bairros de cidades e vilarejos por todo o país. O “turismo vermelho” está sendo impulsionado, com seções do partido, grupos de trabalho e clubes locais incentivados a visitar lugares associados à história do PCC, incluindo o local de nascimento de Mao Zedong. Os cinemas são obrigados a exibir, duas vezes por semana, filmes glorificando o PCC, e os teatros estão encenando as chamadas óperas revolucionárias. Oitenta novos slogans, tais como “Siga o Partido para Sempre” e “Nenhuma Força Pode Deter a Marcha do Povo Chinês”, estão espalhados por toda parte.

E a lista continua, todos exaltando o nacionalismo chinês e o papel do PCC em acabar com a humilhante subordinação da China nos séculos XIX e XX às potências imperialistas e na construção da nação chinesa. Os estudantes são obrigados a escrever ensaios sobre o “Sonho Chinês” de Xi para transformar a China em uma grande potência no cenário internacional. As aulas de educação de adultos oferecem descontos para ensaios elogiando a ideologia maoísta e o “Pensamento de Xi Jinping Sobre o Socialismo Com Características Chinesas Para Uma Nova Era”.

Por trás dessa extravagância nacionalista está um nervosismo evidente no aparato do PCC, para quem o centenário levará a um questionamento crítico da ladainha de falsidades que compreende a história oficial do partido. Em 9 de abril, o Centro de Denúncias de Informações Ilegais, uma divisão do aparato policial da China na Internet, acrescentou uma nova camada à sua já extensa censura ao anunciar uma nova ferramenta para combater o “niilismo histórico”. Os cidadãos são encorajados a denunciar mensagens online que supostamente distorcem a história do PCC, atacam sua liderança ou ideologia, ou “caluniam mártires heroicos”.

Há bons motivos para a preocupação, particularmente diante de um amplo repúdio da burocracia corrupta do PCC, que representa nitidamente os interesses das camadas mais ricas da população. Toda a celebração oficial é construída sobre a mentira clara de que o partido se manteve fiel a seus princípios fundadores. Na realidade, o PCC há muito tempo renunciou ao programa do internacionalismo socialista sobre o qual foi fundado.

Em 23 de julho de 1921 – não em 1º de julho, um erro que o PCC nunca corrigiu –, o congresso de fundação do Partido Comunista Chinês começou em um dormitório do Liceu Feminino de Bowen, na concessão francesa de Xangai, mudando-se depois para uma casa particular. Estavam presentes 12 delegados – dois de Xangai, Pequim, Wuhan, Changsha e Jinan –, assim como dois representantes da Terceira Internacional, ou Internacional Comunista – Henk Sneevliet, conhecido como Maring, e Vladimir Neiman, conhecido na China como Nikolsky. Também estava presente um representante especial de Chen Duxiu, que não pôde comparecer, mas foi eleito o presidente fundador do PCC.

Enquanto a atual propaganda do PCC apresenta o congresso como um assunto chinês, a fundação do Partido Comunista Chinês, como em outros países, refletiu o enorme impacto internacional da Revolução Russa de Outubro de 1917 e o estabelecimento do primeiro Estado operário pelo Partido Comunista liderado por Vladimir Lenin e Leon Trotsky. O manifesto do congresso de fundação da Terceira Internacional, em março de 1919, fez um apelo direto às massas nos países coloniais, declarando: “Escravos coloniais da África e da Ásia: a hora da ditadura do proletariado será também a hora de sua libertação”.

Os intelectuais e a juventude na China, buscando um meio de combater a opressão semicolonial do país, acharam a mensagem imensamente atraente. A Revolução Chinesa de 1911 fez de Sun Yat-sen, que havia formado o partido nacionalista burguês Kuomintang (KMT), presidente provisório de uma “República da China”, mas não conseguiu unificar o país ou acabar com o domínio imperialista. Além disso, no fim da Primeira Guerra Mundial, as principais potências vencedoras da Conferência de Paz de Versalhes, em 1919, endossaram as reivindicações do Japão da província de Shandong, tomada da Alemanha. Quando a decisão se tornou pública, ela provocou protestos e greves generalizadas a partir de 4 de maio de 1919. O que ficou conhecido como o Movimento 4 de Maio surgiu do sentimento anti-imperialista, mas levou a um fermento intelectual e político muito mais amplo, no qual Chen Duxiu e seu colaborador próximo, Li Dazhao, desempenharam papéis de liderança.

Um artigo recente publicado pela agência de notícias estatal Xinhua em sua série “Lições do centenário do PCC” declarou que o objetivo de fundação do partido em 1921 era o “grande rejuvenescimento da nação chinesa”. E continuou: “[O PCC] assume as tarefas históricas de salvar o país, revitalizá-lo, enriquecê-lo e fortalecê-lo; será sempre a vanguarda da nação chinesa e do povo chinês; forjará um monumento histórico, sobre o qual suas grandes realizações serão marcadas por milhares de anos”.

Essa glorificação do nacionalismo chinês é totalmente alheia às concepções que nortearam a fundação do PCC, que estava ligado à Revolução Russa e à intervenção da Terceira Internacional na China. Aqueles jovens e intelectuais que emergiram do Movimento 4 de Maio para formar o partido foram convencidos de que a luta contra o imperialismo era inseparável da luta internacional para derrubar o capitalismo e estabelecer o socialismo. Seu objetivo era a revolução socialista mundial, não a concepção nacionalista reacionária – “o rejuvenescimento da nação chinesa” – que é o elemento central do “sonho” de Xi.

Os documentos do primeiro congresso em 1921 elaboraram os princípios básicos do partido: a derrubada do capitalismo pela classe trabalhadora e o estabelecimento da ditadura do proletariado, levando à abolição das classes, ao fim da propriedade privada dos meios de produção e à união com a Terceira Internacional.

Qualquer exame objetivo do PCC hoje expõe a alegação de que ele continua a lutar por esses objetivos. O PCC não é um partido do proletariado, mas do aparato burocrático que governa a China. Mesmo de acordo com seus próprios números oficiais, os trabalhadores constituem apenas 7% dos membros do partido, que é dominado esmagadoramente por funcionários do Estado e inclui alguns dos bilionários mais ricos da China. Os sindicatos estatais policiam a classe trabalhadora e suprimem qualquer oposição dos trabalhadores a suas condições opressivas.

A alegação de que a China, com suas enormes empresas privadas, mercados de ações e multibilionários prósperos, onde o lucro privado e o mercado dominam todos os aspectos da vida, representa o “socialismo com características chinesas” é uma farsa. O “sonho” de Xi de uma poderosa nação chinesa não tem nada a ver com socialismo ou comunismo. Ele representa as ambições dos oligarcas super-ricos e das elites abastadas que surgiram com a restauração do capitalismo na China sob Deng Xiaoping a partir de 1978.

Na atual política do governo chinês não há nenhum traço do internacionalismo que animou a fundação do PCC em 1921. O objetivo do PCC hoje não é a derrubada do imperialismo, mas encontrar um lugar de destaque na ordem capitalista mundial. O partido não defende nem apoia a revolução socialista em nenhum lugar do mundo, inclusive e sobretudo na própria China, onde usa seu enorme aparato policial-estatal para reprimir qualquer oposição, mesmo que limitada.

A questão crítica enfrentada pelos trabalhadores, jovens e intelectuais na China de hoje que querem lutar por um socialismo genuíno é qual perspectiva orientará essa luta. Para responder a essa pergunta, é preciso saber como e por que o PCC foi transformado de um partido revolucionário lutando pela derrubada do capitalismo em seu extremo oposto.

Três pontos-chave se destacam na longa e complexa história do partido.

A Segunda Revolução Chinesa (1925-27)

O primeiro ponto é a Segunda Revolução Chinesa de 1925-27 e sua trágica derrota. A principal responsabilidade política pelo esmagamento deste vasto movimento revolucionário recaiu sobre a burocracia emergente em Moscou sob Stalin, que, diante da derrota das revoluções na Europa e do contínuo isolamento do Estado operário, abandonou o internacionalismo socialista que sustentou a Revolução Russa e avançou a perspectiva reacionária do “socialismo em um só país”.

Ao fazer isso, o aparato stalinista transformou a Terceira Internacional de um instrumento para fazer avançar a revolução socialista mundial em um instrumento da política externa soviética na qual a classe trabalhadora de um país atrás do outro estava subordinada a alianças oportunistas com os chamados partidos e organizações de esquerda.

Trabalhadores armados em Xangai durante a revolução de 1925-27

O impacto sobre o jovem e inexperiente Partido Comunista Chinês foi imediato. Em 1923, a Internacional Comunista insistiu, contra a oposição dos líderes do PCC, que o partido se dissolvesse e seus membros ingressassem no burguês KMT, alegando que representava “o único grupo revolucionário nacional sério na China”.

Essa instrução negou toda a experiência da Revolução Russa, que foi realizada em oposição irreconciliável à “burguesia liberal”. Foi uma regressão à teoria menchevique da revolução em duas etapas, que sustentava que, na luta contra a autocracia czarista na Rússia, a classe trabalhadora só poderia ajudar os cadetes liberais a estabelecer uma república burguesa, adiando a luta pelo socialismo – a segunda etapa – para um futuro indefinido.

Quando a questão foi discutida no Politburo do Partido Comunista da União Soviética, no início de 1923, Leon Trotsky foi o único membro a se opor e votar contra a entrada no KMT. Lenin estava incapacitado por causa de uma série de derrames – o primeiro em maio de 1922. Em seu “Projeto de Tese sobre as Questões Nacionais e Coloniais”, escrito em 1920, Lenin havia insistido que o proletariado, embora apoiando movimentos anti-imperialistas, tinha que manter sua independência política de todas as frações da burguesia nacional.

Em sua Teoria da Revolução Permanente, que orientou a Revolução Russa, Trotsky demonstrou a incapacidade orgânica da burguesia nacional de realizar tarefas democráticas básicas, que, portanto, só poderiam ser realizadas pelo proletariado como parte da luta pelo socialismo. Em 1923, ele formou a Oposição de Esquerda para defender os princípios do internacionalismo socialista contra sua renúncia por parte da burocracia stalinista.

A subordinação do PCC e, portanto, da classe trabalhadora chinesa ao KMT viria a ter consequências devastadoras para o movimento revolucionário em massa de greves e protestos que eclodiu em 1925, desencadeado pelo assassinato de manifestantes em Xangai pela polícia municipal britânica em 30 de maio. Apesar da imposição de restrições cada vez mais rigorosas às atividades políticas dos membros do PCC dentro do KMT – agora liderado por Chiang Kai-shek – Stalin se opôs a qualquer ruptura com o KMT e continuou a pintar esse partido burguês com cores brilhantes e “revolucionárias”.

Em 1927, Trotsky expôs a falsidade da afirmação de Stalin de que a luta contra o imperialismo obrigaria a burguesia chinesa a desempenhar um papel revolucionário, explicando:

A luta revolucionária contra o imperialismo não enfraquece, mas reforça a diferenciação política das classes ... Despertar realmente os trabalhadores e camponeses contra o imperialismo só é possível conectando seus interesses básicos e mais profundos da vida com a causa da libertação do país ... Mas tudo o que faz levantar as massas de trabalhadores oprimidos e explorados empurra inevitavelmente a burguesia nacional para um bloco aberto com os imperialistas. A luta de classes entre a burguesia e as massas de trabalhadores e camponeses não é enfraquecida, mas, ao contrário, é intensificada pela opressão imperialista, ao ponto de uma sangrenta guerra civil poder acontecer a cada conflito grave.

Um dos capangas de Chiang Kai-shek executando um trabalhador comunista em 1927

Esse alerta foi tragicamente confirmado. Ao subordinar o PCC ao KMT, Stalin tornou-se o coveiro da revolução, facilitando o massacre de abril de 1927 de milhares de trabalhadores e membros do PCC em Xangai por Chiang Kai-shek e seus exércitos e o subsequente massacre de trabalhadores e camponeses pela chamada esquerda do Kuomintang em maio de 1927. Stalin então fez uma virada abrupta e, em meio à maré revolucionária em declínio, atirou o golpeado Partido Comunista Chinês em uma série de aventuras desastrosas.

Essas derrotas catastróficas, que teriam um impacto tão grande na história do século XX, marcaram efetivamente o fim do PCC como um partido de massa da classe trabalhadora chinesa.

Longe de tirar as lições políticas necessárias dessa trágica experiência, Stalin insistiu que suas políticas haviam sido corretas e fez do líder do PCC, Chen Duxiu, o bode expiatório para as derrotas. Chen e outros destacados líderes do PCC, buscando respostas às questões colocadas pela Segunda Revolução Chinesa, foram atraídos pelos escritos de Trotsky e formaram a Oposição de Esquerda na China e depois uma seção da Quarta Internacional, que foi fundada por Trotsky em 1938 em oposição às traições monstruosas do stalinismo na China e internacionalmente.

Aqueles que permaneceram no PCC defenderam Stalin e seus crimes até o fim, incluindo a teoria menchevique da revolução em duas etapas, e se retiraram para o campo. Mao Zedong, que viria a assumir a liderança incontestada do PCC em 1935, tirou a conclusão antimarxista das derrotas dos anos 1920 de que era o campesinato, não o proletariado, a principal força na revolução chinesa.

A Terceira Revolução Chinesa de 1949

Isso teria consequências de amplo alcance para a Terceira Revolução Chinesa de 1949 – o segundo grande ponto de inflexão na história do PCC.

Enquanto Trotsky estava profundamente consciente do imenso significado revolucionário-democrático das lutas do campesinato na China e da necessidade de a classe trabalhadora ganhar o apoio das massas camponesas, fez um alerta urgente sobre as implicações da tentativa de substituir o proletariado pelo campesinato como a base social do movimento revolucionário socialista.

Em uma carta de 1932 aos apoiadores chineses da Oposição de Esquerda, Trotsky escreveu:

O movimento camponês é um poderoso fator revolucionário na medida em que é dirigido contra os grandes latifundiários, militaristas, feudalistas e usurários. Mas no movimento camponês em si são muito poderosas tendências proprietárias e reacionárias, e em uma certa fase pode tornar-se hostil aos trabalhadores e sustentar essa hostilidade já equipada com armas. Aquele que esquece a natureza dual do campesinato não é um marxista. Os trabalhadores avançados devem ser ensinados a distinguir entre rótulos e bandeiras ‘comunistas’ os processos sociais reais.

Os exércitos camponeses liderados por Mao, advertiu Trotsky, poderiam ser transformados em um inimigo aberto do proletariado, incitando os camponeses contra os trabalhadores e sua vanguarda marxista representada pelos trotskistas chineses.

O exército camponês do PCC vitorioso em 1949

A derrota do KMT, a tomada do poder pelo PCC e sua proclamação da República Popular da China em outubro de 1949 foi o resultado de um momento revolucionário na nação mais populosa do mundo. Fez parte dos movimentos revolucionários e das lutas anticoloniais que eclodiram ao redor do mundo após a Segunda Guerra Mundial, refletindo a determinação do povo trabalhador em pôr fim ao sistema capitalista que tinha produzido duas guerras mundiais e a Grande Depressão.

Como resultado da dominação política do PCC, a Revolução Chinesa foi um fenômeno contraditório que é mal compreendido. Seguindo a linha ditada por Stalin, que resultou na derrota dos movimentos revolucionários do pós-guerra na Europa em particular, Mao e o PCC mantiveram a aliança oportunista com o KMT, forjada em 1937 contra a invasão japonesa da China, e tentaram formar um governo de coalizão. Somente quando Chiang Kai-shek e o KMT lançaram uma ação militar contra o PCC, Mao finalmente pediu a sua derrubada em outubro de 1947 e a construção de uma “Nova China”.

O rápido colapso do regime do KMT nos dois anos seguintes testemunhou sua podridão interna e a falência do capitalismo chinês, o que gerou uma oposição generalizada, incluindo uma onda de greves na classe trabalhadora. O PCC, entretanto, não se orientou para a classe trabalhadora e insistiu que ela esperasse passivamente pela entrada dos exércitos camponeses de Mao nas cidades. Seguindo a teoria menchevique-stalinista da revolução em duas etapas, a perspectiva de Mao de uma “Nova China” era a de uma república burguesa na qual o PCC manteria relações de propriedade capitalista e alianças com remanescentes da classe capitalista chinesa, que em sua maioria tinha fugido com o KMT para Taiwan.

O programa de Mao levou à deformação da revolução. Manter as relações de propriedade capitalista significava a supressão burocrática das demandas e lutas dos trabalhadores. O aparato estatal stalinista que emergiu da liderança dos exércitos camponeses, e se apoiou neles, foi profundamente hostil à classe trabalhadora. Os trabalhadores foram recrutados para o PCC não para dar uma voz política à classe trabalhadora, mas para endurecer seu controle sobre a classe trabalhadora.

Mao havia afirmado que a suposta etapa “democrática” da revolução duraria muitos anos. Entretanto, em menos de um ano, o PCC enfrentou a ameaça de ataque militar do imperialismo americano, que lançou a Guerra da Coréia em 1950. À medida que a guerra prosseguia e a China era obrigada a intervir, enfrentou a sabotagem interna de camadas da classe capitalista que consideravam os exércitos liderados pelos EUA na Coréia como seus potenciais libertadores. Confrontando uma possível invasão americana, o regime maoísta foi obrigado a fazer rapidamente incursões na iniciativa privada e a instituir um planejamento econômico de estilo burocrático soviético.

Ao mesmo tempo, temendo um movimento da classe trabalhadora, o regime maoísta reprimiu os trotskistas chineses, prendendo centenas de membros, suas famílias e apoiadores em ondas nacionais de prisão em 22 de dezembro de 1952 e 8 de janeiro de 1953. Muitos dos mais destacados trotskistas permaneceram presos sem acusação durante décadas.

Em uma resolução de 1955, os trotskistas americanos do Socialist Workers Party [1] caracterizaram a China como um Estado operário deformado. A nacionalização da indústria e dos bancos, juntamente com o planejamento econômico burocrático, haviam lançado as bases para um Estado operário, mas havia sido deformado desde o nascimento pelo stalinismo. A Quarta Internacional defendeu incondicionalmente as relações de propriedade nacionalizadas estabelecidas na China. Ao mesmo tempo, porém, reconheceu as origens burocráticas deformadas do regime maoísta como sua característica dominante, fazendo de sua derrubada através da revolução política o único caminho para a construção do socialismo na China como parte integrante da luta pelo socialismo internacional.

A Revolução Chinesa de 1949 é justificadamente considerada pelos trabalhadores e jovens na China como um enorme avanço. Ela acabou com a dominação e exploração imperialista direta e, em resposta às aspirações sociais do movimento revolucionário de trabalhadores e camponeses, o PCC foi obrigado a eliminar muito do que era social e culturalmente atrasado na sociedade chinesa, incluindo a poligamia, o noivado infantil, a tradição dos pés de lótus e o concubinato. O analfabetismo foi amplamente abolido, e a expectativa de vida aumentou significativamente.

Entretanto, a perspectiva stalinista do PCC do “socialismo em um só país” levou, em um espaço de tempo muito curto, a um beco sem saída econômico e ao isolamento internacional da China após a ruptura sino-soviética de 1961-63. Dentro da estrutura da autarquia nacional, a liderança maoísta foi incapaz de encontrar uma solução para os problemas da China e seu desenvolvimento.

O resultado foi uma série de disputas internas amargas e destrutivas entre frações, enquanto o PCC se esforçava para encontrar uma saída para seus dilemas. Isso levou a um desastre atrás do outro que estava ligado à perspectiva nacionalista do partido e às tentativas de Mao de superar os problemas do desenvolvimento da China por meio de manobras subjetivas e pragmáticas.

Essas incluíam o catastrófico “Grande Salto para Frente” de Mao, que produziu fome em massa, e a Grande Revolução Cultural Proletária, que não foi grande, nem proletária nem revolucionária. A tentativa de Mao de mobilizar estudantes, elementos do lumpemproletariado e camponeses para a Guarda Vermelha como um meio de acertar contas com seus rivais provou ser um desastre incontestável. Isso terminou com o uso do exército para reprimir os trabalhadores que entraram em greve.

A virada para a restauração capitalista na década de 1970

Os trabalhadores chineses devem fazer uma distinção clara entre a revolução necessária e justificada de 1949 e o caráter reacionário da Revolução Cultural, cujo tumulto só serviu de cenário para a terceira grande virada histórica – a restauração capitalista e o desmantelamento sistemático dos ganhos da Revolução Chinesa de 1949.

Várias tendências neo-maoístas procuram falsamente retratar Mao como um verdadeiro socialista e marxista revolucionário, cujas ideais foram traídas por outros, particularmente Deng Xiaoping, que introduziu as reformas iniciais pró-mercado em 1978.

O presidente Richard Nixon sentado entre o primeiro-ministro chinês, Chou En-Lai, e Chiang Ching, esposa do presidente Mao Tse-tung, em um show cultural no Grande Salão do Povo em Pequim, em 22 de fevereiro de 1972, no intervalo das conversas entre os líderes dos dois países (AP Photo)

Na realidade, foi o próprio Mao que abriu o caminho para a restauração capitalista. Diante dos crescentes problemas econômicos e sociais e da ameaça de guerra com a União Soviética, Pequim forjou uma aliança antissoviética com o imperialismo americano que lançou as bases para a integração da China no capitalismo global. A aproximação de Mao com o presidente americano Richard Nixon em 1972 foi a condição prévia essencial para o investimento estrangeiro e o aumento do comércio com o Ocidente. Na política externa, o regime maoísta alinhou-se a algumas das ditaduras mais reacionárias apoiadas pelos EUA, incluindo a do General Augusto Pinochet no Chile e a do Xá no Irã.

Sem as relações com os Estados Unidos que permitiam o acesso ao capital e aos mercados estrangeiros, Deng não teria sido capaz de lançar sua ampla agenda de “reforma e abertura” em 1978, que incluía zonas econômicas especiais para investidores estrangeiros, empreendimentos privados em vez de comunas no campo e a substituição do planejamento econômico pelo mercado. O resultado foi uma grande expansão da iniciativa privada, especialmente no campo, o rápido aumento da desigualdade social, saques e corrupção por parte dos burocratas partidários, o aumento do desemprego e o aumento da inflação que levou à onda nacional de protestos e greves em 1989. A repressão brutal de Deng aos protestos, não apenas na Praça Tiananmen, mas em cidades de toda a China, abriu as portas para uma enxurrada de investidores estrangeiros, que entenderam que o PCC podia ser confiável para policiar a classe trabalhadora.

Protesto em massa na Praça Tiananmen em maio de 1989 (Foto AP - Sadayuki Mikami)

O papel reacionário do maoísmo encontra sua expressão mais aguçada nas horríveis consequências internacionais de sua ideologia stalinista do “socialismo em um só país” e do “bloco de quatro classes”, subordinando a classe trabalhadora à burguesia nacional. Na Indonésia, essas políticas deixaram a classe trabalhadora politicamente desarmada diante de um golpe militar que levou ao extermínio de cerca de um milhão de trabalhadores. O maoísmo levou a derrotas e traições semelhantes no sul da Ásia, nas Filipinas e na América Latina.

Xi e outros líderes chineses se orgulham das conquistas econômicas do que é absurdamente chamado de “socialismo com características chinesas”.

Que eles são obrigados a ainda falar de socialismo e até mesmo proclamar que suas políticas capitalistas são guiadas pelo marxismo é uma prova da identificação duradoura das massas chinesas com as conquistas da Revolução de 1949. O espantoso desenvolvimento econômico da China nas últimas três décadas reflete de forma contraditória o impacto da Revolução Chinesa. Isso não teria sido possível sem as reformas sociais duradouras introduzidas por essa revolução.

Para entender o significado da Revolução Chinesa, basta fazer a pergunta: Por que esse desenvolvimento não ocorreu na Índia? O contraste entre os dois países encontrou forte expressão na pandemia de COVID-19, que foi contida pela China desde cedo, enquanto se espalhava incontrolavelmente pela Índia, empurrando seu número de mortos para além da marca de 400.000.

O inegável desenvolvimento econômico da China expandiu enormemente as fileiras da classe trabalhadora, ao mesmo tempo em que impulsionou as condições sociais de segmentos significativos da população trabalhadora.

Apesar desse desenvolvimento, a China enfrenta hoje todas as contradições e consequências da virada para o capitalismo que não podem ser resolvidas no âmbito nem do maoísmo nem das políticas atuais do PCC.

A China paga um preço terrível por sua integração na economia capitalista mundial e o imenso ingresso de capital e tecnologia estrangeiros para explorar a mão-de-obra chinesa barata. O crescimento econômico apenas exacerbou as contradições do capitalismo chinês, gerando imensas tensões sociais e alimentando uma profunda crise política.

Embora o PIB per capita da China tenha aumentado, ainda está bem atrás de muitas outras nações e é apenas o 78˚ no mundo. Este ano, quando as celebrações do centenário se aproximavam, Xi gabou-se de que a China havia abolido a “pobreza absoluta”, mas as estatísticas, baseadas em uma medida muito austera, são altamente questionáveis e a pobreza continua generalizada. Além disso, o abismo entre ricos e pobres é maior do que nunca, com a espantosa riqueza dos multibilionários da China continuando a crescer em meio à pandemia de COVID-19 que teve um forte impacto sobre a população em geral.

Trabalhadores protestando na fábrica da Coca-Cola em Chengdu em 2016 (Photo: Tianya/ty_一路上有你706)

Em última análise, as questões históricas que motivaram a Revolução Chinesa – independência do imperialismo, unificação nacional e ruptura das garras do capitalista comprador– continuam sem solução.

De fato, elas se colocam hoje de forma ainda mais aguda, com a economia capitalista chinesa dependente de um mercado capitalista global e enfrentando o cerco militar pelo imperialismo, liderado pelos Estados Unidos. Taiwan, que está se desenvolvendo como um Estado nacional cada vez mais hostil, surgiu como o epicentro de uma potencial guerra global. Toda a perspectiva avançada pelo maoísmo do desenvolvimento nacional independente está completamente esgotada.

Dentro da própria China, o PCC promove o nacionalismo com base na maioria Han. Enquanto a propaganda reacionária do imperialismo sobre um “genocídio” Uyghur é digna de desprezo, o apelo do PCC aos sentimentos nacionalistas não desempenha nenhum papel progressista no que é uma sociedade vastíssima, multilíngue e multiétnica.

Em todas as suas contradições e complexidade, a história da China confirmou a tese da Teoria da Revolução Permanente de Trotsky, segundo a qual, em países com um desenvolvimento capitalista atrasado submetidos à opressão imperialista, as tarefas democráticas básicas e nacionais só podem ser realizadas através de uma revolução socialista, liderada pela classe trabalhadora e apoiada pelo campesinato, como parte da luta pelo socialismo mundial.

Esse caminho da revolução socialista mundial é estranho ao PCC e às camadas capitalistas que representa.

O PCC não tem solução para as tensões sociais acirradas e os crescentes sinais de oposição, a não ser os métodos repressivos da censura geral do stalinismo, as prisões arbitrárias e o esmagamento violento de protestos e greves. O PCC em si está cheio de corrupção e disputas entre frações que ameaçam despedaçá-lo. Xi emergiu como uma figura bonapartista, equilibrando entre frações rivais que confiam nele para manter o partido unido. A glorificação de Xi, que é rotineiramente referido como o “centro” e saudado como o segundo apenas atrás de Mao, não decorre da força política pessoal, mas reflete a crise profunda que envolve o partido.

Tudo isso é agravado pelo confronto cada vez mais agressivo do imperialismo americano com a China durante a última década, iniciado pelo presidente Obama e acelerado sob Trump e agora Biden. Tendo ajudado a alimentar as décadas de crescimento econômico da China, todas as frações da classe dominante americana consideram agora a China como a principal ameaça à hegemonia global dos EUA e se preparam para usar todos os métodos, inclusive a guerra, para subordinar a China ao “sistema baseado em regras internacionais” – ou seja, a ordem pós Segunda Guerra Mundial estabelecida por Washington.

A perspectiva do PCC de “coexistência pacífica” com o imperialismo e a ascensão pacífica da China para assumir seu lugar dentro da ordem capitalista mundial está em pedaços. Biden, apoiado por democratas e republicanos, está mobilizando os aliados americanos e destinando centenas de bilhões de dólares para lutar contra a China. Ao mesmo tempo, Washington está procurando explorar as tensões dentro da China, alimentadas pela repressão pesada das tendências separatistas étnicas pelo PCC, em uma tentativa de enfraquecer e fraturar o país.

Confrontada com o perigo iminente de uma guerra catastrófica, a liderança do PCC concebe a defesa da China em termos militares e de política externa, construindo suas forças armadas e promovendo sua “Iniciativa do Cinturão e Rota”. Por um lado, tenta apaziguar o imperialismo americano e fazer um novo acordo. Por outro lado, procura engajar-se em uma corrida armamentista fútil e na disseminação do nacionalismo e do chauvinismo que só pode terminar em desastre. Tendo há muito renunciado ao internacionalismo socialista sobre o qual foi fundado, o PCC é organicamente incapaz de fazer qualquer apelo à classe trabalhadora internacional para construir um movimento unificado antiguerra baseado na luta pelo socialismo.

Nenhum dos enormes problemas enfrentados pela humanidade – a guerra, o desastre ecológico, as crises sociais ou a pandemia de COVID-19 – pode ser resolvido no âmbito do capitalismo e de sua obsoleta divisão do mundo em estados-nação rivais. O desafio enfrentado pelos trabalhadores, intelectuais e jovens na China que buscam uma solução progressista é o de rejeitar o nacionalismo imundo que o aparato do PCC fomentou e retornar ao caminho do internacionalismo socialista que formou a base da fundação do partido em 1921.

Isso significa reconstruir a ligação entre a classe trabalhadora chinesa e o movimento trotskista mundial, encarnado no Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI). Fazemos um chamado aos trabalhadores e a juventude a estudarem a história da Quarta Internacional e as lições políticas de sua luta de décadas pelos princípios marxistas em oposição ao stalinismo e suas mentiras e falsificações históricas. Acima de tudo, pedimos que entrem em contato com o CIQI e iniciem o processo de criação de uma seção chinesa para lutar por sua perspectiva revolucionária.

Nota

[1] O Socialist Workers Party (SWP) nos Estados Unidos liderou a luta para formar o Comitê Internacional da Quarta Internacional em 1953 contra uma tendência oportunista liderada por Michel Pablo e Ernest Mandel que rejeitaram a caracterização do stalinismo de Trotsky como uma tendência contrarrevolucionária e alegaram que as burocracias stalinistas em Moscou e Pequim poderiam ser pressionadas a apresentar uma orientação revolucionária. Em 1963, o SWP abandonou a luta contra o oportunismo, rompeu com o CIQI e unificou-se com os pablistas em uma base sem princípios, sem qualquer discussão das diferenças políticas que haviam surgido em 1953.

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