Publicado originalmente em 27 de agosto de 2021
Em 20 de agosto, o presidente fascistoide brasileiro Jair Bolsonaro deu mais um passo em seus preparativos para uma supressão da das eleições de 2022, nas quais ele enfrenta uma perspectiva cada vez maior de derrota. Bolsonaro enviou ao Senado um pedido de impeachment do Ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal (STF), escolhido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como seu presidente para as eleições gerais do próximo ano.
Como amplamente previsto, o pedido foi arquivado pelo presidente do Senado dias depois, um fato completamente secundário aos planos de Bolsonaro.
Moraes não é apenas o próximo presidente do TSE, mas é também o juiz que conduz uma investigação que visa os organizadores de manifestações que exigem que o exército feche o STF, bem como o Congresso. Esta investigação recentemente deu mais um passo na direção do próprio Bolsonaro.
Bolsonaro acusou Moraes de coibir a 'liberdade de expressão' dos organizadores fascistas. Entre eles está o presidente do direitista Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que recentemente organizou a entrada em massa de membros do movimento fascista tradicional brasileiro, os integralistas, nas fileiras do partido. No próprio dia 20 de agosto, a Polícia Federal (PF) realizou uma operação de busca e apreensão contra apoiadores bolsonaristas, que haviam apelado por uma invasão armada do STF e do Congresso no dia da independência do Brasil, 7 de setembro.
As acusações de Bolsonaro contra Moraes visam transformar o TSE em alvo de violência por parte de seus apoiadores mais leais, incluindo uma série de oficiais militares da ativa e bandos fascistoides, no período que antecede as eleições de outubro de 2022.
Ele segue atentamente a cartilha de Donald Trump. Seu filho, Eduardo, tem estado em constantes consultas com os aliados de extrema direita de Trump, incluindo Steve Bannon. O objetivo é provocar violência e caos suficientes para levar as Forças Armadas a intervir em apoio às suas alegações de que as eleições estão sendo ativamente manipuladas contra ele. Bolsonaro conta com a história sangrenta das Forças Armadas brasileiras, que há apenas quatro décadas estavam à frente de uma ditadura sanguinária de 21 anos, apoiada pelo imperialismo norte-americano. Este regime serviu, a partir do golpe de 1964, como uma cabeça de ponte operacional e política para a imposição de ditaduras militares-fascistas ainda mais sangrentas em toda a região.
No centro da conspiração golpista está um ataque frontal ao sistema de votação eletrônica brasileiro. Bolsonaro afirma incessantemente que o sistema é uma caixa preta que não pode ser “auditada”, e somente uma impressora de reserva acoplada a cada urna eletrônica poderia torná-lo digno de confiança. Ele também alega que as eleições de 2014 foram manipuladas para garantir a vitória do Partido dos Trabalhadores (PT), o que é negado pelo segundo colocado Aécio Neves e todas as forças políticas significativas, e que em 2018 ele foi roubado de votos para forçar uma disputa de segundo turno com o PT. Tais alegações foram veementemente e repetidamente negadas por todas as partes envolvidas, incluindo o TSE, a Polícia Federal e todos os partidos com representação no Congresso.
A fim de prosseguir com seus planos de anular as próximas eleições, Bolsonaro enviou ao Congresso uma emenda constitucional obrigando a adoção do “voto impresso” de reserva para 2022, que não passou o limite de 60% de apoio na Câmara necessário para fazer mudanças constitucionais. Entretanto, 40% dos deputados votaram a favor da proposta poucas horas depois de Bolsonaro ordenar que uma coluna de tanques passasse pelo Congresso e pelo STF no que foi amplamente reconhecido como uma ameaça.
O apoio substancial à medida, apesar de todos os partidos do Congresso tomarem uma posição formal contra ela, foi reivindicado por Bolsonaro como uma vitória moral. Após a votação, ele alegou que a votação na Câmara foi ilegítima porque os deputados que votaram contra sua proposta o teriam feito por medo de represálias do TSE e do STF.
O momento da ação contra Moraes, que veio poucas horas depois que organizadores da manifestação de 7 de setembro foram alvos dos investigadores, foi visto - corretamente - pelos fascistas como um endosso presidencial.
De acordo com o especialista político Guilherme Amado do Metrópoles, o próprio Bolsonaro compartilhou em grupos do WhatsApp um chamado fascistoide às manifestações como preparação para um “contra golpe”, fazendo referência ao golpe de 1964, que os militares ainda descrevem como uma “revolução” e uma “reação” a supostos planos de instalação de uma ditadura comunista.
Nos chamados, as ações do Congresso, do TSE e do STF são descritas como ilegais, e defende-se que as manifestações são necessárias para garantir às Forças Armadas “apoio popular” para uma “reação” contra a fraude eleitoral.
A convocação ganhou o apoio de vários deputados da chamada “bancada da bala,” composta por oficiais aposentados da Polícia Militar (PM), que estão chamando especificamente os soldados para comparecer. Pelo menos um comandante da PM, o coronel Aleksander Lacerda, chefe de sete batalhões que policiam a região metropolitana de Sorocaba em São Paulo com um total de 5.000 soldados, endossou explicitamente os chamados para que os soldados participassem da manifestação.
Em comentários extraordinários um dia depois de afastar Lacerda de seu comando, o governador de São Paulo, João Doria, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), advertiu uma reunião de 24 governadores sobre o “perigo de infiltração bolsonarista” dos batalhões da Polícia Militar, enfatizando que o setor de inteligência de seu governo estava vendo o crescimento de movimentos para “emparedar governadores”.
A conversa de Doria sobre 'infiltração' é um eufemismo quase delirante. Os soldados das 27 unidades da Polícia Militar controladas pelos estados são amplamente conhecidos por apoiarem Bolsonaro de forma esmagadora. Criadas pela ditadura de 1964-1985, as PMs têm 500.000 soldados em suas fileiras e seu próprio sistema de justiça militar, através do qual os soldados escapam rotineiramente de punições pelas 6.000 mortes anuais às suas mãos. As PMs são chefiadas pelos governadores em tempo de paz, mas imediatamente transferidas para a cadeia de comando do Exército em caso de guerra ou estado de sítio. Com sua prática diária de assassinato e tortura em todo o Brasil, as PMs constituem o terreno mais fértil para a agitação fascistoide de Bolsonaro.
Os apelos desesperados de Doria para que os governadores erradiquem os “infiltrados” expõe tanto a extraordinária crise enfrentada capitalismo brasileiro quanto a impotência da oposição burguesa, liderada pelo PT, que tinha o PSDB de Doria como sua oposição tradicional de direita antes da ascensão de Bolsonaro.
Bolsonaro é perseguido por múltiplos escândalos de corrupção, ligando sua família à lavagem de dinheiro, ao submundo do crime do Rio de Janeiro e a um esquema de propina multibilionário dentro do Ministério da Saúde na compra de vacinas para COVID-19.
Ao mesmo tempo, as eleições de 2022 serão realizadas sob a sombra do que o exército já classificou como uma “bomba social” de desemprego, pobreza, inflação crescentes e uma pandemia descontrolada que causou, até agora, 20 milhões de infecções e 577.000 mortes oficiais por COVID-19. A contenção de tal “bomba social”, para a qual a classe dominante não tem solução progressista, é a raiz objetiva da deriva autoritária do sistema político brasileiro como um todo, da qual a ascensão final de Bolsonaro e seus preparativos para um golpe são a expressão mais avançada.
Sob tais condições, a oposição burguesa, mesmo enfrentando a ameaça de ser ela mesma “emparedada”, como disse Doria, coloca toda sua esperança nas mãos do comando militar. No domingo, dois dias após a ação contra Moraes, o jornal conservador Estado de S. Paulo, conservador, tinha como principal manchete: “Ex-presidentes consultam generais sobre risco de golpe no País.”
Na reportagem, o correspondente militar Marcelo Godoy relatou as frenéticas intrigas palacianas por trás das intermináveis declarações na imprensa de que “não haverá golpe de estado” em 2022. Na verdade, tais garantias são desmentidas pelo fato de que não passa uma semana sem que uma manchete de jornal relate que um determinado governador, juiz ou repórter foi informado por generais “sob anonimato”, mais uma vez, que a democracia está segura.
O verdadeiro significado destas “garantias democráticas” pode ser compreendido a partir das observações francas do senador Alessandro Vieira, membro da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado sobre a condução da pandemia por Bolsonaro, em 17 de agosto. Vieira disse ao El País sobre o ex-Ministro da Casa Civil e atual Ministro da Defesa de Bolsonaro, Gen. Walter Braga Netto: “É muito claro que a gente precisa ouvir o Braga Netto, se a gente for um país sério”. Isso não seria possível, disse ele, porque os senadores “têm medo de uma reação armada”, concluindo que “Quando você chega neste patamar, talvez você já não tenha democracia”.
Enquanto Vieira era entrevistado pelo El País, Braga Netto falava para uma sessão conjunta das comissões de finanças, defesa e administração do Senado, onde negou que os militares tivessem imposto uma ditadura através do golpe de 1964, que foi apoiado pelos EUA. Ele continuou com uma ameaça nada velada contra os senadores: “Se houvesse ditadura, talvez muitas pessoas não estariam aqui, execuções” teriam tido lugar. Antes de sua presidência, Bolsonaro afirmou repetidamente que os militares deveriam ter “matado 30.000”.
A política de imunidade de rebanho de Bolsonaro foi coordenada por militares do alto escalão, com um general da ativa na chefia do Ministério da Saúde durante a maior parte da pandemia. Enquanto as divisões permanecem altas em relação ao apoio a Bolsonaro e setores crescentes do establishment político se voltam contra ele, por enxergarem suas provocações políticas como um risco para o capitalismo brasileiro, a liberdade dada a pessoas como Braga Netto é um aviso claro dos perigos enfrentados pelos trabalhadores, seja qual for o destino imediato de Bolsonaro.
Combater a política de “imunidade de rebanho” assassina e em pleno vigor, o crescimento da desigualdade social e a guinada da classe dominante para a ditadura exige uma ruptura política com a oposição burguesa a Bolsonaro, incluindo o PT e seus aliados pseudoesquerdistas. Em sua inquebrantável defesa do sistema de lucro capitalista, eles temem muito mais um movimento político independente da classe trabalhadora do que um novo e muito mais sangrento golpe militar.