Publicado originalmente em 28 de julho de 2022
É com profundo pesar que o Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) anuncia a morte do camarada Wije Dias. O camarada Wije foi secretário geral do Partido Socialista pela Igualdade (Sri Lanka) e seu precursor, a Liga Comunista Revolucionária (RCL), de dezembro de 1987 até maio passado, quando foi eleito para o recém-criado cargo de presidente do partido.
Wije, que faria 81 anos no mês que vem, morreu em Colombo na manhã de 27 de julho após sofrer um ataque cardíaco. Ele tinha um longo histórico de doença arterial coronariana e fora submetido a uma cirurgia de marcapasso em 2013. Ele se recuperou totalmente e permaneceu profundamente ativo na direção do partido até o último dia de sua vida.
A vida política do camarada Wije se estendeu por seis décadas e abrangeu praticamente todo o período em que a Quarta Internacional foi liderada pelo Comitê Internacional. Ele dedicou sua vida adulta à luta pela libertação da classe trabalhadora da miséria, da guerra e de todas as formas de opressão capitalista.
Wije foi um protagonista implacável do programa socialista internacionalista da revolução permanente e um lutador pela independência política da classe trabalhadora. Ele era inflexível em sua defesa dos princípios marxistas e trotskistas porque testemunhou as consequências catastróficas – sob a forma de desorientação política, reação e mortes trágicas– resultantes de seu abandono e traição.
Wije fez parte de um grupo notável de jovens que, sob a orientação política do CIQI, a organização dos trotskistas ortodoxos fundada em 1953 para defender o programa da revolução socialista mundial contra o oportunismo pablista, tirou as principais lições políticas da traição histórica da classe trabalhadora cingalesa pelo Lanka Sama Samaja Party (LSSP).
Depois de entrar na Universidade do Ceilão em Peradeniya em 1962, Wije aderiu ao movimento juvenil do LSSP, que, embora se inspirasse na longa herança da luta pelo trotskismo no Sri Lanka, havia tomado uma posição ambivalente na divisão de 1953. O partido recusou-se a endossar a “Carta Aberta” publicada pelo trotskista americano James P. Cannon, líder do Socialist Workers Party (SWP), que deu origem ao Comitê Internacional.
O LSSP era a força dominante na classe trabalhadora. No entanto, com o incentivo de Ernest Mandel e Michel Pablo, repudiava cada vez mais abertamente a política socialista em nome de manobras parlamentares e de frente popular e do sindicalismo, e capitulava rapidamente à política chauvinista cingalesa da classe dominante.
O pablismo foi uma tendência liquidacionista pequeno-burguesa que surgiu na Quarta Internacional sob as condições da estabilização do capitalismo no pós-guerra e que buscou transformá-la em coadjuvante do stalinismo, da social-democracia e, nos países menos desenvolvidos, do nacionalismo burguês.
Em 1964, o LSSP traiu um poderoso levante da classe trabalhadora, o movimento das “21 demandas”, que sacudia os alicerces da dominação burguesa na ilha. O LSSP assumiu o papel de principal ponto de apoio social da burguesia cingalesa ao entrar num governo capitalista liderado pelo Partido da Liberdade do Sri Lanka (SLFP), apoiador da política de “cingaleses primeiro”.
A traição representou um repúdio aberto ao internacionalismo socialista e à Teoria da Revolução Permanente de Trotsky, que havia demonstrado a incapacidade de qualquer setor da burguesia em países de capitalismo atrasado, como o Sri Lanka, de atender às aspirações democráticas e necessidades sociais das massas.
As ações do LSSP coincidiram com a degeneração do Socialist Workers Party nos Estados Unidos durante meados dos anos 1950 e início dos anos 1960. Em 1963, o SWP decidiu se reunificar com os pablistas. Uma minoria dentro do SWP se opôs à reunificação sem princípios e, em 1964, publicou uma carta exigindo uma discussão sobre a “Grande Traição” do LSSP no Sri Lanka. Eles foram expulsos do SWP, formando o American Committee for the Fourth International (ACFI) e, em 1966, a Workers League, antecessora do Partido Socialista pela Igualdade (EUA).
A resposta de Wije a esses eventos se provaria o ponto de virada crucial da sua vida. Repelido pela traição do LSSP, Wije fazia parte de um grupo de jovens trotskistas que, após um período de intensa discussão entre 1964 e 1968, veio a reconhecer que o CIQI estava correto em insistir que o colapso da LSSP enquanto partido trotskista era um produto do pablismo.
Essas discussões culminaram com a formação da Liga Comunista Revolucionária como seção cingalesa do CIQI. O papel principal nesta luta foi desempenhado por Keerthi Balasuriya, eleito como secretário geral da RCL na sua fundação em 1968.
Ao fundar a RCL, Keerthi e seus camaradas compreenderam que não bastava romper com o LSSP organizativamente, mas era necessário romper politicamente com o pablismo que tinha dado a cobertura política para a traição. A RCL dedicou-se fortemente à exposição da política centrista do LSSP (R), que os pablistas fundaram apressadamente, depois de expulsar os principais líderes do LSSP, para cobrir seus rastros.
A luta da RCL e do PSI nas décadas seguintes giraria em torno, em grande medida, da luta para superar as consequências políticas da traição do LSSP. Ao comprometer a classe trabalhadora com o poder capitalista e promover a política étnico-comunal da classe dominante do Sri Lanka, ele abriu as portas para a ascensão do radicalismo pequeno-burguês na forma do Janatha Vimukthi Peramuna (JVP), que misturava o castrismo, o maoísmo e o chauvinismo cingalês, e dos Tigres de Liberação do Tamil Eelam (LTTE), defensores do nacionalismo tâmil.
No que se tornaria um marco da política principista da RCL, em 1971 a Liga expôs a falência política de uma rebelião isolada da juventude rural liderada pelo JVP, ao mesmo tempo que fazia uma campanha entre a classe trabalhadora para defender os líderes e militantes do JVP da repressão estatal brutal. Ao fazê-lo, a RCL também se tornou vítima da repressão estatal e foi obrigada a operar na clandestinidade.
A segunda coalizão LSSP/SLFP de 1970 a 1976, sob condições de crise econômica mundial crescente, entrou em confronto direto com a classe trabalhadora. Explorando a confusão política criada por essa situação, J.R. Jayawardene e seu partido de direita United National Party (UNP) chegaram ao poder em 1977. Eles lançaram imediatamente um vasto ataque à classe trabalhadora, abrindo a ilha para investimentos globais, provocaram uma greve geral em 1980, e estabeleceram uma presidência executiva autoritária enquanto promoviam o chauvinismo cingalês. Em última análise, isso levou à eclosão, em 1983, de uma guerra étnica que convulsionaria a ilha pelo próximo quarto de século.
A RCL e o PSI foram os únicos a se oporem à guerra e à burguesia cingalesa chauvinista e seu Estado do ponto de vista do derrotismo revolucionário e do internacionalismo socialista. Embora agitassem a retirada imediata de todas as forças de segurança do norte e leste de maioria tâmil, a RCL se opôs à política comunalista do LTTE que buscava conquistar o apoio da Índia e das potências imperialistas, e lutou para unir os trabalhadores cingaleses e tâmeis e as massas rurais empobrecidas na luta pelos Estados Socialistas Unidos de Lanka e Tamil Eelam.
Em 1985-86, a RCL desempenhou um papel crítico e decisivo na direção do Comitê Internacional em sua oposição à degeneração nacional oportunista do Workers Revolutionary Party (WRP) na Grã-Bretanha. A oposição à traição do WRP aos princípios trotskistas foi liderada pela Workers League, a seção americana do CIQI, e seu secretário nacional David North. Keerthi trabalhou em estreita colaboração com North na elaboração dos principais documentos produzidos pelo CIQI, elaborando a base política da ruptura com o WRP.
Em uma homenagem a Wije Dias na ocasião de seu 75º aniversário, North escreveu que a “excepcional contribuição de Keerthi refletia a imensa experiência e firmeza política da direção e dos quadros da RCL, derivadas das décadas anteriores de luta pelo trotskismo”.
Por esta razão, a RCL foi capaz de suportar a perda súbita e totalmente inesperada do camarada Keerthi em dezembro de 1987. Sua morte, aos 39 anos de idade, foi uma perda cruel e trágica para a Liga Comunista Revolucionária e o Comitê Internacional. O fato de a RCL ter conseguido resistir ao impacto da morte de Keerthi – em meio à guerra civil, aos ataques assassinos da JVP e à perseguição contínua pelo governo – foi, sob qualquer critério objetivo, uma demonstração da extraordinária força política da direção da RCL. Mas também deve ser reconhecido – e não há um só camarada na RCL/PSI ou no Comitê Internacional que contestaria esta avaliação – que você, camarada Wije, desempenhou o papel decisivo em manter a unidade do partido, sustentando sua orientação revolucionária internacionalista e levando-o adiante.
A vitória do CIQI contra o WRP em 1985-86 marcou um ponto decisivo na luta para defender e desenvolver o programa e estratégia da revolução socialista mundial, inclusive ao permitir uma ampla colaboração entre os líderes da seção cingalesa e seus colaboradores e camaradas internacionais.
A morte de Keerthi coincidiu com uma crise política maciça provocada pela ocupação do norte e leste tâmil pelo exército indiano sob o Acordo Indo-Cingalês.
O camarada Wije enfrentou este desafio com coragem política e firmeza. Nos anos tumultuados de guerra civil, repressão estatal, ataques do JVP e crise política crônica, Wije mais do que retribuiria a confiança política nele investida. De fato, ele conquistou um enorme respeito em seu próprio partido e entre os líderes e quadros de todo o CIQI.
Em 2010, o camarada Wije sofreu a perda de Piyaseeli, sua esposa e camarada, ela própria uma figura política e cultural de destaque na ilha.
Três anos mais tarde, Wije foi submetido a uma cirurgia de marcapasso. Apesar do declínio da saúde e das dificuldades físicas que naturalmente acompanham a velhice, ele permaneceu politicamente ativo, fornecendo direção e aconselhamento político com base em seu vasto conhecimento e experiência até os últimos dias de sua vida. Ele participou de uma reunião do conselho editorial do Sri Lanka do World Socialist Web Site na terça-feira.
Nos meses que antecederam sua morte, ele esteve intimamente envolvido na elaboração da resposta do partido ao levante massivo dos trabalhadores e das massas rurais que sacudiu a ilha desde abril e no início deste mês levou o presidente Gotabaya Rajapakse a renunciar e fugir do país.
Wije desempenhou um papel dirigente no Terceiro Congresso Nacional do PSI do Sri Lanka em maio, e em estreita colaboração com o CIQI esteve centralmente envolvido na redação da declaração do PSI, “Pelo Congresso Democrático e Socialista de Trabalhadores e Massas Rurais no Sri Lanka!” publicada em 20 de julho, exatamente uma semana antes de sua morte. A declaração deixa clara a implacável oposição do PSI ao governo capitalista. Baseando-se nas vastas experiências da classe trabalhadora ao longo do século passado, desde a Revolução Russa de 1917 até as lições da traição da LSSP de 1964 e a fracassada Revolução Egípcia de 2011, a declaração elabora uma estratégia, baseada no desenvolvimento de organizações independentes de luta da classe trabalhadora, para lutar pelo poder operário e pelo socialismo.
O camarada Wije levou uma vida plena e rica. Ele era um orador poderoso tanto em seu cingalês nativo quanto no inglês, como atestam os muitos vídeos de suas falas.
Ele tinha um vasto conhecimento da história do Sri Lanka e da Índia, do movimento operário internacional e da cultura tanto do sul da Ásia como do ocidente.
Ele era destemido em sua oposição ao inimigo de classe, mas mesmo seu inimigo mais amargo não poderia e não se atreveria a questionar sua integridade política.
Ele tinha um senso de humor radiante, que era capaz de usar de forma muito eficaz para revelar a vaidade e corrupção dos representantes políticos da burguesia e dos oportunistas pequeno-burgueses. Apesar de sua merecida estatura política, Wije era um homem profundamente modesto.
Wije teve que atravessar as longas e difíceis circunstâncias ligadas às traições colossais da classe trabalhadora pelos stalinistas, social-democratas e seus cúmplices pablistas. Mas ele viveu para ver um novo levante revolucionário da classe trabalhadora no Sri Lanka – um acontecimento que está rapidamente revelando ser o prenúncio dos desenvolvimentos mundiais nas condições de crise capitalista global sistêmica.
O camarada Wije Dias é uma figura monumental na luta pelo trotskismo no Sri Lanka. Sua vida e seu legado entram agora na história da luta pelo socialismo. Eles servirão para inspirar, mas, de forma ainda mais importante, para orientar politicamente os trabalhadores e jovens no que necessariamente se provará a década da revolução socialista mundial.