Publicado originalmente em inglês em 30 de novembro de 2025
Enquanto o governo Trump intensifica drasticamente suas ameaças de guerra não provocadas contra a Venezuela, revelações de mais um crime de guerra horrível cometido pelas forças armadas dos EUA no sul do Caribe vieram à tona.
Segundo várias fontes do Washington Post, tropas de operações especiais dos EUA, agindo sob ordens diretas do secretário de Defesa Pete Hegseth, realizaram um ataque “duplo” contra um barco que transportava 11 pessoas perto da costa da Venezuela em 2 de setembro.
“Um míssil disparou na costa de Trinidad, atingindo a embarcação e provocando um incêndio da proa à popa”, noticiou o Post. “Durante minutos, os comandantes observaram o barco em chamas através de imagens ao vivo transmitidas por um drone. Quando a fumaça se dissipou, eles tiveram uma surpresa. Dois sobreviventes estavam agarrados aos destroços em chamas.”
Uma pessoa envolvida no ataque disse ao Post: “A ordem [de Hegseth] era matar todos”. Esse foi o primeiro de uma série mortal de ataques com mísseis que afundaram pelo menos 22 barcos pequenos e mataram pelo menos 83 pessoas da Venezuela, Colômbia, Equador e Trinidad.
O governo Trump justificou sua onda de assassinatos como uma defesa dos Estados Unidos contra “narcoterroristas”. O pretexto da “guerra contra as drogas” foi utilizado para enviar cerca de um terço de todas as forças navais dos EUA para a região, incluindo o maior navio de guerra do mundo, o porta-aviões USS Gerald R. Ford, e 15 mil marinheiros e fuzileiros navais, apoiados por caças avançados levados para Porto Rico e bombardeiros estratégicos B-52 enviados para os limites do espaço aéreo da Venezuela.
Essa demonstração de força, que é totalmente desproporcional ao objetivo explícito de prender um punhado de pescadores que supostamente contrabandeiam cocaína em barcos que nunca alcançariam o território dos EUA, foi ainda mais intensificada nos últimos dias. Trump anunciou de forma improvisada que os ataques no mar logo seriam acompanhados por ataques em terra e divulgou nas redes sociais um decreto pessoal declarando uma zona de exclusão aérea sobre toda a Venezuela.
O objetivo claro dessa campanha não é a interdição de drogas, mas sim a mudança de regime em Caracas e a imposição de um governo fantoche dos EUA que abriria caminho para as grandes empresas petrolíferas sediadas nos EUA saquearem as reservas de petróleo da Venezuela, as maiores do planeta.
As revelações sobre o ataque duplo de 2 de setembro apenas demonstram que os objetivos predatórios de Washington estão sendo perseguidos com métodos totalmente criminosos. Ao invés de resgatar os sobreviventes que se agarravam aos destroços do navio, os comandantes das Operações Especiais ordenaram um segundo ataque com mísseis, que os reduziu a pedaços.
A ação foi tomada sob instrução direta de Hegseth, que foi batizado de “secretário da guerra” pelo governo Trump.
Supervisionando a operação estava o almirante Frank “Mitch” Bradley, em Fort Bragg, no estado da Carolina do Norte, que afirmou absurdamente em uma teleconferência segura com outras autoridades que os sobreviventes constituíam um alvo legítimo porque poderiam chamar outros supostos traficantes de drogas para resgatá-los e sua carga. Bradley, que tem sido descrito como um dos favoritos da Casa Branca de Trump, foi promovido a chefe do Comando de Operações Especiais dos EUA logo após esse ato de assassinato a sangue frio.
Por sua vez, Hegseth denunciou o artigo do Post como “fabricado, inflamatório e depreciativo”, antes de confirmar suas alegações essenciais. Respondendo ao artigo no X, ele afirmou:
Como dissemos desde o início, e em todas as declarações, esses ataques altamente eficazes têm como objetivo específico ser “ataques cinéticos letais”. A intenção explícita é impedir o tráfico de drogas letais, destruir barcos de narcotraficantes e matar os narcoterroristas que estão envenenando o povo americano.
Em uma postagem separada em sua conta pessoal, Hegseth escreveu: “Estamos apenas começando a matar os narcoterroristas”.
O Pentágono ainda não identificou nenhuma das cerca de 80 vítimas, nem forneceu qualquer prova de que elas fossem culpadas de tráfico de drogas ou qualquer outro crime. Os 11 passageiros a bordo do barco que sofreu o duplo ataque incluíam, sem dúvida, migrantes ou passageiros que viajavam entre a Venezuela e Trinidad; não seria necessário tantas pessoas para carregar e descarregar sacos de cocaína.
Mesmo que algumas das vítimas da onda de assassinatos do governo Trump no Caribe estivessem transportando drogas, isso não é um crime punível com a morte e deve ser provado em um tribunal, não sendo punido por meio de execuções extrajudiciais em alto mar. Nem é, de forma alguma, um ato de guerra.
O grupo de trabalho de ex-membros da justiça militar (JAGs, na sigla em inglês), que inclui funcionários que atuaram como consultores jurídicos das forças armadas em governos anteriores, emitiu uma declaração em resposta ao artigo do Washington Post, afirmando:
Se a operação militar dos EUA para interceptar e destruir embarcações suspeitas de tráfico de drogas é um “conflito armado não internacional”, como sugere o governo Trump, as ordens para “matar todos”, que podem ser razoavelmente consideradas como uma ordem para “não dar trégua”, e para “atirar duas vezes” em um alvo a fim de matar os sobreviventes, são claramente ilegais sob o direito internacional. Em resumo, são crimes de guerra.
Se a operação militar dos EUA não for um conflito armado de qualquer tipo, essas ordens para matar civis indefesos agarrados aos destroços de uma embarcação destruída por nossas forças armadas sujeitariam todos, desde [o secretário da Defesa] até o indivíduo que puxou o gatilho, a processo judicial nos EUA por homicídio.
Em outras palavras, a criminalidade desses atos não deixa a menor dúvida. A única questão é se eles devem ser julgados em tribunais criminais dos EUA ou por uma reencarnação moderna do Tribunal de Nuremberg, que julgou os assassinos em massa do Terceiro Reich alemão. De acordo com o direito internacional, a pena para crimes de guerra que envolvem assassinatos deliberados é a prisão perpétua ou a morte.
Toda a carreira de Hegseth está repleta de crimes de guerra. Como oficial de infantaria, ele serviu em uma unidade que assassinou detidos iraquianos desarmados em 2006 e foi enviado como parte da Guarda Nacional de Minnesota para o campo de detenção e tortura da Baía de Guantánamo. Ele se tornou um comentarista de direita na Fox News, ganhando fama e entrando no círculo íntimo de Trump como um ativo defensor do perdão a militares criminosos de guerra americanos condenados. Um deles é o fuzileiro naval das operações especiais da marinha (Navy SEALs), Eddie Gallagher, que foi julgado sob a acusação de esfaquear um iraquiano de 17 anos ferido e indefeso com uma faca de caça e depois posar para fotos com seu cadáver.
O fascista e imbecil “secretário dos crimes de guerra” é representativo de um governo no qual prevalecem o ethos e os métodos da máfia. Assassinatos são ordenados apenas para provar o caráter assassino da camarilha da Casa Branca.
É claro que esta não é a primeira vez que o Salão Oval é usado para planejar assassinatos ilegais. Obama orquestrou assassinatos com drones, incluindo pelo menos quatro cidadãos americanos, em reuniões apelidadas de “terças-feiras do terror”, enquanto Trump ordenou o assassinato, em 2020, do alto funcionário iraniano Qassem Soleimani, que estava em visita diplomática ao Iraque.
Mas existe mais do que uma mudança quantitativa na política atual. O que está se desenvolvendo é nada menos do que a completa destruição das bases políticas, constitucionais e jurídicas do país e sua substituição pelos métodos de uma ditadura policial e pela lei da selva.
Trump representa e personifica uma oligarquia criminosa que se deleita na imundície, no sangue e em quantias obscenas de riqueza pessoal. Ele próprio transformou a presidência em uma arma com o objetivo de encher seus próprios bolsos com centenas de milhões de dólares. Segundo cálculos feitos pela agência de notícias Reuters, a renda da família Trump cresceu 17 vezes, chegando a US$ 864 milhões durante o primeiro semestre deste ano, em comparação com o mesmo período em 2024.
Essa criminalidade no topo não encontra expressão mais reveladora do que o “perdão total e completo” anunciado por Trump ao ex-presidente hondurenho Juan Orlando Hernández, que foi condenado a 45 anos de prisão após ser julgado por um tribunal dos EUA por facilitar a importação de impressionantes 400 toneladas de cocaína para os EUA. Hernandez ficou famoso por dizer a um de seus co-conspiradores que queria enfiar cocaína “direto nos narizes dos gringos”.
“Ele pode ser um filho da puta, mas é o nosso filho da puta”, foi uma citação atribuída ao presidente Franklin Delano Roosevelt em relação ao ditador nicaraguense Anastasio Somoza, que foi promovido por Washington em 1939. Hoje, é claramente um caso de “Ele pode ser um narcotraficante, mas é o nosso narcotraficante”.
O perdão a Hernandez ridiculariza as alegações do governo Trump de que sua política latino-americana é motivada pela necessidade de resgatar os americanos dos traficantes de drogas empenhados em destruí-los. Ninguém no círculo de Trump ou na oligarquia governante como um todo se importa com as mortes por overdose. Ao invés disso, eles veem as drogas como um meio útil de controle social sobre as camadas mais oprimidas da população, bem como uma fonte lucrativa de lucros para o setor financeiro.
Além de uma fascinação mórbida por tudo que é criminoso, a simpatia de Trump por Hernandez é sem dúvida influenciada pelas ligações dele com seus apoiadores bilionários da tecnologia, incluindo Peter Thiel (o principal patrono da carreira política do vice-presidente JD Vance), Sam Altman e Marc Andreessen, que se associaram ao ex-presidente Hernandez na criação da Próspera, uma cidade privada semiautônoma, com fins lucrativos, livre de impostos e regulamentações.
O perdão foi anunciado na véspera das eleições hondurenhas de domingo, juntamente com o apoio de Trump a Nasry “Tito” Asfura, candidato do Partido Nacional de direita de Hernández. Trump difamou a candidata do partido governista Libre, Rixi Moncada, a chamando de “comunista”, em grande parte porque o atual governo rompeu relações com Taiwan e estabeleceu relações diplomáticas com Pequim, uma ação tomada pela própria Washington há quase meio século. Asfura prometeu cortar relações com a China e a Venezuela se eleito.
Existe um caráter inegavelmente maníaco na política adotada pelo governo Trump em toda a região. Refletindo o desespero crescente de uma oligarquia capitalista dominante presa às contradições de seu próprio sistema de lucro em declínio, ela está tentando reverter a perda da hegemonia dos EUA e a ascensão da China à posição de principal parceiro comercial da América do Sul por meio de ataques com mísseis e intimidação.
Essa política externa constitui uma extensão da política interna de guerra contra a classe trabalhadora. Na tentativa de reverter todas as conquistas sociais obtidas pelos trabalhadores ao longo do século XX, a classe dominante dos EUA está recorrendo a métodos ditatoriais, desde a demonização fascista e a perseguição selvagem aos imigrantes até o envio de tropas americanas às principais cidades americanas para combater o “inimigo interno”. Assim como o governo Trump está assassinando pescadores e migrantes no Caribe, ele não hesitará em enviar esquadrões da morte para realizar execuções extrajudiciais nos próprios Estados Unidos.
Todas essas medidas estão provocando a oposição popular em massa e uma intensificação da luta de classes. A tarefa decisiva é unir as lutas dos trabalhadores contra a guerra e em defesa dos direitos sociais e democráticos além das fronteiras nacionais.
Os crimes de guerra que estão sendo organizados pela Casa Branca só serão punidos por meio de uma intervenção política consciente da classe trabalhadora em todo o continente americano para pôr fim ao sistema capitalista e reorganizar a sociedade para atender às necessidades humanas, não aos lucros dos oligarcas.
