Publicado originalmente em 25 de outubro de 2022
O Vigésimo Congresso do Partido Comunista Chinês (PCCh) foi concluído no último fim de semana com a nomeação de Xi Jinping para um terceiro mandato como secretário geral do partido; o Comitê Permanente do Politburo, o órgão máximo do partido de sete membros, composto por apoiadores de Xi; e a incorporação do “Pensamento de Xi Jinping sobre o Socialismo com Características Chinesas para uma Nova Era” na constituição do partido.
Todo esse processo ritualístico e encenado para aclamar Xi como o “núcleo” do partido, com seu enorme aparato burocrático unido atrás dele, revela a enorme crise que enfrenta o regime do PCCh em todas as frentes. A elevação e a incessante promoção de Xi como um grande líder não é um sinal de força, mas sim de fraqueza.
Xi assumiu o caráter de um líder Bonapartista que se equilibra precariamente entre as frações subterrâneas do partido em meio a uma economia chinesa em desaceleração, tensões sociais profundas e uma campanha acelerada de Washington em direção à guerra com Pequim.
Xi abriu o Congresso com um longo relatório de duas horas que se referia aos muitos e profundos problemas enfrentados por seu regime para os quais ele não conseguiu fornecer nenhuma solução. Ele começou com a declaração de que “o tema deste Congresso é segurar alto a bandeira do socialismo com características chinesas, implementando plenamente o pensamento sobre o socialismo com características chinesas”.
Repetindo o mantra do “socialismo com características chinesas”, Xi apresentou sua concepção de desenvolvimento nacional, do que é na realidade o capitalismo chinês, separado da economia mundial da qual é completamente dependente.
O nacionalismo de Xi está enraizado na teoria stalinista do “socialismo em um só país”. Leon Trotsky, que defendeu a perspectiva da revolução socialista mundial na qual a Revolução Russa de 1917 havia se baseado, alertou repetidamente que o “socialismo em um só país” era uma utopia nacionalista.
Em 1925, analisando o futuro da União Soviética, Trotsky escreveu em Rumo ao socialismo ou ao capitalismo?: “Academicamente, se entende que é possível construir dentro dos limites da URSS uma economia socialista fechada e internamente equilibrada; mas o longo caminho histórico para este ideal ‘nacional’ levaria a gigantescas mudanças econômicas, convulsões sociais e crises...
“A impossibilidade de construir uma economia socialista autossuficiente em um único país revive as contradições básicas da construção socialista a cada nova etapa em uma escala ampliada e em maior profundidade. Nesse sentido, a ditadura do proletariado na URSS seria inevitavelmente destruída se o regime capitalista no resto do mundo se mostrasse capaz de sobreviver por outra longa época histórica.”
O prognóstico visionário de Trotsky viria a ser confirmado. A burocracia stalinista soviética dissolveu a União Soviética em 1991 e a abriu para a pilhagem capitalista. O Estado operário deformado que surgiu na China após a Revolução de 1949 se mostrou ainda mais fraco e vulnerável, abrindo as portas para as forças do mercado capitalista e o investimento corporativo global a partir de 1978.
Em seu discurso, Xi apontou realizações significativas na China, incluindo o crescimento espantoso da economia chinesa nas últimas três décadas. Entretanto, longe de ser um desenvolvimento econômico puramente nacional, ele foi o produto dos enormes avanços feitos pela Revolução Chinesa de 1949 - ele próprio o resultado dos processos internacionais que deram origem à Revolução Russa e aos movimentos revolucionários da classe trabalhadora após a Segunda Guerra Mundial.
O próprio fato de Xi ter que encobrir suas políticas capitalistas sob o manto do socialismo revela a alta estima que a Revolução Chinesa goza entre as amplas camadas da classe trabalhadora na China. A natureza capitalista da China de hoje, entretanto, é reduzida a um adendo - uma pequena mancha no saudável socialismo!
Em seu discurso, Xi foi capaz de apontar a considerável conquista do governo em suprimir as repetidas ondas da pandemia de COVID-19 e salvar milhões de vidas. Sua política de COVID zero, ela própria uma resposta às expectativas dos trabalhadores de que seu bem-estar seria protegido, mostrou que o vírus poderia ser eliminado, mas somente se organizado internacionalmente.
A própria ascensão econômica da China, entretanto, só agravou os problemas enfrentados pelo regime que não consegue encontrar solução dentro de uma estrutura nacional. O crescimento econômico levou a uma enorme intensificação das tensões sociais, alimentada pela crescente polarização social entre ricos e pobres e pela exploração incessante da classe trabalhadora.
O que Trotsky escreveu sobre a União Soviética, que precisava ter acesso aos recursos e à tecnologia do mundo, certamente vale para a China. Seu extraordinário crescimento econômico foi completamente vinculado à sua transformação em uma plataforma de mão de obra barata para as corporações globais. Ela dependia e continua dependendo do acesso ao mercado mundial para vender seus produtos e, ao mesmo tempo, requer acesso a capital internacional e tecnologia avançada.
Entretanto, as cadeias internacionais vitais da economia chinesa estão agora ameaçadas. Seu próprio crescimento tem gerado enormes tensões com o imperialismo americano, que a considera como a principal ameaça à sua hegemonia global. Como Xi observou, sem nunca se referir diretamente aos EUA, há “mudanças drásticas no cenário internacional, especialmente tentativas externas de chantagear, conter, bloquear e exercer a máxima pressão sobre a China”.
O capitalismo com características chinesas agora confronta o imperialismo com as características americanas. Os EUA estão mobilizando seus aliados e seus recursos econômicos e militares para minar e subjugar a China. O governo Biden manteve as tarifas comerciais maciças impostas por Trump à China e ampliou suas proibições de tecnologia para incluir todos os semicondutores avançados e os equipamentos necessários para sua fabricação. Os EUA e seus aliados, já em guerra com a Rússia na Ucrânia, estão procurando levar a China a tomar medidas militares para reunificar Taiwan, que está sendo armada até os dentes.
Xi e o regime do PCCh estão bem cientes de que a guerra dos EUA e da OTAN na Ucrânia é a preparação da guerra com a China, mas eles não têm uma resposta progressista para a agressão americana. Em resposta aos embargos e à escalada militar dos EUA, o PCCh está desesperadamente procurando alcançá-lo tecnológica e militarmente. Mas a lógica desta corrida armamentista é a rápida descida para a guerra entre potências com armas nucleares que significa a aniquilação da humanidade.
O próprio regime é um regime de crise. Em seu discurso, Xi pintou um quadro devastador do aparato esclerótico e burocrático que o instalou como líder máximo. Trata-se de um partido atormentado por “uma falta de compreensão clara e de ação efetiva, assim como pode se desviar para uma liderança e prática fraca, oca e diluída do partido... Apesar dos repetidos alertas, as formalidades inúteis, o burocratismo, o hedonismo e a extravagância persistem... Alguns problemas profundos e instituições e barreiras construídas por interesses particulares estavam se tornando cada vez mais claros. ... padrões equivocados de pensamento, tais como culto ao dinheiro, hedonismo, egocentrismo e niilismo histórico eram comuns, e o discurso on-line estava repleto de desordem. Tudo isso tinha um grave impacto no pensamento das pessoas e no âmbito da opinião pública.”
Quando Xi fala de corrupção, ela é sempre reduzida a indivíduos maus e suas intenções, mas nunca à ordem social do capitalismo. Além disso, é um regime no qual todo o poder permanece nas mãos da burocracia em um país de 1,4 bilhão de pessoas. Na “democracia consultiva socialista avançada” de Xi, o aparato decide se e quando alguém será consultado sobre as decisões que impactam suas vidas.
A resposta nacionalista do PCCh à crise global do sistema capitalista é levada adiante de uma forma ou de outra pelos EUA e por todas as potências imperialistas, assim como pelo regime russo. É um caminho que leva inexoravelmente à escalada do conflito militar e a uma guerra mundial envolvendo potências com armas nucleares, pois o choque dos interesses nacionais desses Estados não pode ser resolvido por meios pacíficos.
As próprias questões levantadas por Trotsky, contra o socialismo em um só país e o nacionalismo econômico, mantêm extraordinária relevância e são a chave para compreender as contradições fundamentais que o regime chinês enfrenta. A única alternativa viável ao nacionalismo econômico é a perspectiva da revolução socialista mundial que animou a Revolução Russa de 1917 e a fundação de partidos comunistas em todo o mundo, inclusive na China. É esse programa que os trabalhadores na China e internacionalmente devem assumir na luta para acabar com os flagelos das doenças, a pobreza e a guerra gerados pelo capitalismo.